Pepe Escobar denuncia "relação direta" entre agressão promovida pelo Pentágono e a propaganda das agências pró-invasão
Entre as muitas contribuições trazidas pelos mais de 600 participantes de 23 países ao 1º Encontro Mundial de Blogueiros, realizado entre os dias 24 e 27 de outubro em Foz do Iguaçu-PR, cabe destaque a do veterano jornalista Pepe Escobar.
Debatedor do painel "Experiências na Ásia e África", o colunista do Ásia Times (Japão) e articulista da rede Al Jazeera (Catar), demonstrou a "relação direta" entre
"o golpe militar ocorrido na Líbia" – com envolvimento de tropas da Inglaterra, França e Catar, que SUSTENTARAM EM TERRA A AGRESSÃO PROMOVIDA PELO PENTÁGONO - e a ABJETA PROPAGANDA PRÓ_INVASÃO pelas agências internacionais de "notícias".
Detalhes Adicionais
A OTAN sempre quis UMA BASE na Líbia, lembrou Escobar, "mas isso só seria possível com um novo governo".
Na sua avaliação, além das imensas riquezas energéticas do país – petróleo e gás -, os Estados Unidos tinham INTERESSE NA INVASÃO por uma razão muito mais séria: sua perspectiva de "guerra infinita", bem ao gosto do complexo militar-industrial e dos grandes bancos, que veem na China, um objetivo estratégico a longo prazo.
Com este objetivo, explicou, foi conformado "o Comando da África, o Africom, fundado em 2008, durante a administração Bush, que é basicamente a ideia do Pentágono de ir contra os contratos comerciais que o país asiático faz com o continente inteiro. Pelo menos 25 países africanos têm contratos muito próximos".
"Assim, se para comprar óleo, gás e minerais, os chineses pagam um bom preço e se comprometem a fazer o que for solicitado, desde a construção de mini Itaipus e escolas à redes de fibra ótica, distribuindo celular para todo mundo e chegando com sua tecnologia, etc., os EUA precisavam agir. E o que fizeram diante da tomada dos mercados, o que tinham a oferecer? Militarização, esta é a estratégia do Pentágono".
Recapitulando, observou, o Africom queria a sua primeira guerra na África dentro de uma ação geopolítica mais ofensiva, tanto em relação ao continente, como para acumular forças em direção à Ásia.
"O Africom teve de ser estabelecido em Stuttgart, na Alemanha, porque nenhum país africano queria que se instalasse no continente, a começar pela Líbia. O próprio Kadafi fez campanha: ‘não podemos aceitar os imperialistas dentro da nossa casa’. E aí eles entraram pela porta de trás".
CÚPULA DA OTAN
O jornalista lembra que "houve uma cúpula da OTAN em Lisboa, em dezembro do ano passado, onde foi traçado um mapa sobre o que iriam fazer até 2020".
Ali, explicou, "está mais ou menos delineado, se lê nas entrelinhas, bem claro: transformar o Mediterrâneo inteiro num lago da OTAN, controlado pela OTAN. No passado, na Roma antiga, se chamava mare nostrum, ‘nosso mar’ em latim. No século 21 é uma nova versão, só que agora militarizada. E havia três países que não são membros da OTAN ou que não têm acesso aos milhões de dólares dos seus programas: Líbano, Síria e Líbia. A Líbia era o alvo imediato e já tinha o pretexto criado ali no teatro de operações. A Síria é o próximo".
Desta forma, "o golpe militar foi equacionado na França e começou no ano passado, em outubro, quando o chefe do protocolo de Kadafi defectou e foi parar em Paris. Então a inteligência francesa chegou perto dele e organizaram a ação com a OTAN", explicou Escobar. Ele relata que chegou a estar em contato com jovens da chamada "google generation" do leste – "região mais conservadora da Líbia", que inicialmente haviam realizado mobilizações "pró-democracia", que acabaram "fornecendo o estopim", "logo usado por oportunistas aliados em Cirenaica, no leste, e por infiltrados em Trípoli, que na última hora iam cair fora".
Perguntei a Pepe sobre como via a denúncia do WiliLeaks de que o diretor geral da rede de televisão Al Jazeera, Wadah Khanfar, atuou em consonância com os interesses do Departamento de Estado dos EUA após a INVASÃO do Iraque, o que o obrigou a se demitir.
Lembrei as conversas que vieram à tona, onde ficou comprovado que Khanfar concordou em retirar, a pedido do governo estadunidense, "duas imagens que mostravam CRIANÇAS FERIDAS num hospital e uma mulher com um rosto gravemente ferido", entre outras ações em prol duma COBERTURA MAIS BRANDA SOBRE OS ABUSOS COMETIDOS PELAS TROPAS DE OCUPAÇÃO.
Pepe disse que a partir da saída de Khanfar, "houve a mudança na direção e a substituição por um tecnocrata próximo ao emir". Ou seja, uma ação ainda mais escancarada em prol dos EUA.
De acordo com o jornalista, o "Catar é um tema tabu no Oriente Médio", um ponto "fundamental que ficou oculto até o final por causa da Al Jazeera, que fez uma cobertura totalmente parcial".
"Eu posso falar isso porque escrevo para a Al Jazeera, conheço de dentro. Cobriram a guerra como se fosse um filme de Hollywood, de forma maniqueísta. Todo o rebelde da OTAN era mocinho e a família Kadafi e o resto do sistema inteiro era pior do que o Darth Vader. Isso causou um imenso desconforto dentro da rede, de jornalistas que conheciam a Líbia. Kadafi era muito popular, principalmente no Oeste".
Continua na próxima edição.
Jornal Hora do Povo
Observando a Líbia devastada, num gabinete aconchegante recheado de televisões de plasma mais fininhas que panqueca, num palácio em Pyongyang, o Amado Líder da República Popular Democrática da Coreia, Kim Jong-il, balançava a cabeça, pensando no suplício do coronel Muammar Gaddafi.
“Grande tolo”, murmura o Amado Líder. Claro. Ele sabe que o Grande Gaddafi assinou virtualmente a própria sentença de morte, num dia em 2003, quando aceitou a sugestão daquela sua lamentável prole – arrogantemente europeizados –, para que cancelasse seu programa de armas de destruição em massa e quando, no mesmo ato, pôs o futuro de seu governo nas mãos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
Sim. Saif al-Islam, Mutassim, Khamis e o resto do clã Gaddafi ainda não conheciam a diferença entre detonar em farra barra-pesadíssima em St. Tropez e ser detonado por Mirages e Rafales. O Grande Gaddafi, esteja onde estiver, em Sirte, no deserto central ou numa silenciosa caravana para a Argélia, com certeza os está amaldiçoando para toda a eternidade.
Gaddafi supunha que fosse parceiro da OTAN. Agora, a OTAN quer arrancar-lhe a cabeça. Que parceria é essa?
O monarca sunita ditador permanece no Bahrain; nada de bombas “humanitárias” sobre Manama, nada de recompensa por sua cabeça. O clube de ditadores da Casa de Saud permanece; nada de bombas “humanitárias” sobre Riad, Dubai ou Doha – nada de recompensa por aquelas cabeças coroadas apaixonadas pelo ocidente. Estão pegando bem leve até com o ditador sírio – pelo menos por enquanto.
Portanto, a pergunta, levantada por vários leitores de Asia Times Online, é inevitável: qual a linha vermelha crucial que Gaddafi transgrediu, transgressão que lhe valeu o cartão vermelho?‘Revolução’ made in France
Há tantas linhas vermelhas transgredidas pelo Grande Gaddafi – e tantos cartões vermelhos – que a tela do computador acabaria tingida de vermelho sangue.
Comecemos pelo básico. É coisa dos franceses. Vale a pena repetir: a guerra na Líbia é guerra francesa. Os americanos nem chamam a guerra na Líbia, de guerra: é só “ação cinética”, ou coisa que o valha. O Conselho Nacional de Transição ‘rebelde’ é invenção francesa.
E, sim, sim – sobretudo é guerra do neonapoleônico presidente Nicolas Sarkozy. Sarkozy é o George Clooney do filme (coitado do Clooney). Todos os demais, de David das Arábias Cameron, ao ganhador do Prêmio Nobel da Paz e inventador emérito de guerras Barack Obama, são coadjuvantes.
Como o Asia Times Online noticiou, a guerra da Líbia começou em outubro de 2010, quando o chefe de protocolo de Gaddafi, Nuri Mesmari, desertou e voou para Paris. Ali foi contatado pela inteligência francesa e, para todas as finalidades práticas, construíram um coup d’état militar, envolvendo desertores na Cyrenaica.
Sarkô tem uma mala de motivos para desejar vingar-se do Grande Gaddafi.
Bancos franceses contaram-lhe que Gaddafi preparava-se para transferir seus bilhões de euros para bancos chineses. E Gaddafi não podia, de modo algum, servir de exemplo para outras nações ou fundos soberanos árabes.
Empresas francesas contaram a Sarkô que Gaddafi decidira não comprar aviões Rafale e não contratar franceses para construírem uma usina nuclear; Gaddafi preferia investir em serviços sociais.
A gigante francesa de energia Total queria fatia maior do bolo energético líbio – que estava sendo devorado, do lado europeu, pela italiana ENI, sobretudo porque o premiê Silvio “bunga bunga” Berlusconi, fã de carteirinha do Grande Gaddafi, já tinha acertado negócio complexo com Gaddafi.
Assim, o golpe militar foi aperfeiçoado em Paris, até dezembro; as primeiras manifestações populares na Cyrenaica em fevereiro – instigadas em larga medida pelos golpistas – foram capturadas. O filósofo da autopromoção Bernard Henri-Levy meteu num avião para Benghazi a sua camisa branca aberta no peito e foi encontrar-se com os “rebeldes”, de onde telefonou para Sarkozy e virtualmente ordenou que reconhecesse os tais “rebeldes”, já no início de março, como ‘governo legítimo’ (como se Sarkô carecesse de estímulos).
O Conselho Nacional de Transição foi inventado em Paris, mas a ONU também providenciou para inflá-lo como “legítimo” governo da Líbia. E a OTAN, que não tinha mandado da ONU para converter uma zona aérea de exclusão em bombardeio “humanitário” indiscriminado. Tudo isso culmina hoje no cerco da cidade de Sirte.
Os franceses e os britânicos redigiram o que viria a ser a Resolução n. 1.973 da ONU.
Washington uniu-se alegremente ao convescote.
O Departamento de Estado dos EUA combinou um negócio com a Casa de Saud, pelo qual os sauditas assegurariam um voto da Liga Árabe, como prelúdio à resolução da ONU; em troca, os sauditas seriam deixados em paz para reprimir qualquer protesto pró-democracia no Golfo Persa – o que os sauditas fizeram, com selvageria, no Bahrain.
O Conselho de Cooperação do Golfo (então convertido em Clube Contrarrevolucionário do Golfo) também tinha toneladas de razões para querer livrar-se de Gaddafi. Os sauditas adorarão acomodar um emirado amigo no norte da África, sobretudo se, simultaneamente, se livrarem da furiosa animosidade que separa Gaddafi e o rei Abdullah. Os Emirados querem novo local para investir e “desenvolver”. O Qatar, muito íntimo de Sarkô, queria fazer dinheiro – gerindo os novos negócios de venda de petróleo dos “legítimos” ‘rebeldes’.
A secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton pode até ser muito amiga da Casa de Saud ou dos al-Khalifas assassinos no Bahrain. Mas o Departamento de Estado também vergastou Gaddafi pesadamente por suas “políticas cada vez mais nacionalistas no setor energético”; e, também, por estar “libianizando” a economia.
O Grande Gaddafi, jogador esperto, deveria ter visto o escrito no muro. Desde que o primeiro-ministro Mohammad Mossadegh foi deposto essencialmente pela CIA no Irã em 1953, a regra é que ninguém se mete a antagonizar o Big Oil globalizado. Para nem falar de antagonizar o sistema financeiro/banqueiro internacional – promovendo ideias subversivas como usar a economia nacional em benefício da população local.
Quem seja pró-o-próprio-país é automaticamente inimigo dos que mandam – bancos ocidentais, megacorporações, “investidores” nebulosos à caça de lucrar com qualquer coisa que cada país produza.
Gaddafi não só atropelou todos esses limites como também tentou escapar do petrodólar: tentou vender à África a ideia de uma moeda unificada, o dinar de ouro (foi apoiado por muitos países africanos); investiu num projeto multibilionário – o Grande Rio Feito pelo Homem, uma rede de dutos que bombeiam água potável do deserto para a costa mediterrânea –, sem, para isso, ter de ajoelhar ante o altar do Banco Mundial; investiu em programas sociais nos países subsaharianos mais pobres; financiou o Banco da África, com o que tornou possível, para muitos países, também escapar das garras do Banco Mundial e, principalmente, do Fundo Monetário Internacional; financiou um sistema de telecomunicações para todo o continente africano, graças ao qual escapou das redes ocidentais de telecomunicações; e ofereceu aos líbios excelente padrão de vida. A lista dos pecados de Gaddafi é infinita.
Por que não telefono para Pyongyang
E há ainda o ângulo militar crucialmente importante do Pentágono/Africom/OTAN. Nenhum país africano quis receber uma base do Comando Africano (Africom) do Pentágono.
O Africom foi inventado no governo George W Bush, como meio para controlar de perto a África e para combater, escondido, os avanços comerciais da China.
Dado que ninguém quis acolher o Africom na África, o Africom escolheu local super africano: Stuttgart, na Alemanha.
A tinta em que se escreveu a Resolução n. 1.973 ainda nem secara, e o Africom, de fato, já estava bombardeando a Líbia com mais de 150 Tomahawks – antes de o comando das operações ser transferido para a OTAN.
Foi a primeira guerra africana do Africom, e prelúdio do que virá. Fixar uma base permanente na Líbia é negócio já praticamente resolvido – parte da militarização neocolonial, não só do norte da África mas de todo o continente.
A agenda da OTAN para dominar todo o Mediterrâneo e convertê-lo em lago da OTAN, é tão definida quando a agenda do Africom para converter-se em Robocop da África.
Os únicos pontos difíceis eram a Líbia, a Síria e o Líbano – três países que não são membros da OTAN nem ligados à OTAN por qualquer tipo de “parceria”.
Para compreender o papel de Robocop global que a OTAN aspira a desempenhar – legitimado pela ONU –, basta prestar atenção à boca dura do secretário-geral da OTAN general Anders Fogh Rasmussen.
Trípoli ainda estava sendo bombardeada, quando ele disse que “Quem não consiga manter tropas além das próprias fronteiras não terá influência internacional, e o vácuo será ocupado por potências emergentes que não necessariamente partilham nosso pensamento e nossos valores”.[1]
Portanto aí está, tudo dito.
A OTAN é uma milícia high-tech ocidental para defender interesses dos EUA e de países europeus e isolar os BRICS emergentes e outros, e para manter curvados os “nativos”, sejam africanos ou asiáticos. O negócio fica mais fácil, porque a coisa está fantasiada de R2P – “responsabilidade de proteger”, não os civis, mas o saque subsequente.
Jogando contra todas essas forças, não surpreende que o Grande Gaddafi tenha recebido cartão vermelho, expulso do jogo para sempre.
Poucas horas antes de o Grande Gaddafi ter de começar a lutar pela própria vida, o Amado Líder bebericava champanhe russa com o presidente Dmitry Medvedev, trocando ideias sobre o gambito em curso no Oleodutostão. Lembrou, por acaso, que gostaria de conversar sobre seu arsenal nuclear ainda ativo.
Aí está o motivo pelo qual o Amado Líder sobe, enquanto o Grande Gaddafi despenca.
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[1] Wall Street Journal, 24/8/2011, em http://online.wsj.com/article/SB10001424053111903461304576524503625829970.html
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